Design - A dança das cadeiras
Matéria tirada da revista veja.
O universo em expansão de Starck:
loja em São Paulo, hotel no Rio
No mundo do design, o francês Philippe Starck é uma espécie de bolsa Louis Vuitton: para onde se olha, tem uma. E sempre imediatamente identificável, verdadeira ou copiada. Por trás dessa onipresença, porém, o designer mais conhecido e prolífico do planeta compartilha com a grife famosa a obsessão pela qualidade e um projeto expansionista que parece querer engolir o mundo. A lista de produtos com a marca Starck abarca praticamente todas as atividades humanas em que um designer pode interferir, de roupas a hotéis (ele e o empresário Ian Schrager inventaram o conceito de hotel-butique), passando pelo celebérrimo espremedor de limão com formato futurista, escovas de dentes, malas, banheiras, cubas para pia, motos, projetos imobiliários, chupetas, chaleiras, ursinhos de pelúcia, talheres e luminárias. Além de cadeiras, claro.
Ah, as cadeiras. São uma espécie de bênção e maldição, ao mesmo tempo. Arrojadas, elegantes, conceitualmente provocativas, são a grande marca registrada de Starck: se alguém, com conhecimento ainda que mínimo do mundo do design, tentar pensar numa cadeira "moderna", provavelmente lhe virá à mente alguma das diáfanas produções assinadas por Starck em associação com a empresa italiana de design Kartell. Feitas numa única peça de policarbonato com espuma injetada, parecem flutuar. A mais conhecida é talvez a que foi batizada de Louis Ghost, um "fantasma" moderno e translúcido da mais clássica das cadeiras, a Luís XVI. Só se sentando numa para acreditar que é verdadeiramente confortável. Volta e meia, Starck insinua que não quer mais saber de fazer cadeiras. E sempre volta a surpreender seu público com um novo modelo. Algumas de suas criações mais recentes poderão ser vistas na Kartell que será inaugurada nesta semana em São Paulo (com produtos também de outros monstros sagrados do design que trabalham com ela, incluindo o israelense Ron Arad e o italiano Antonio Citterio). As novas crias de Starck, como o banco Charles Ghost e a cadeira Victoria Ghost, são na maioria da mesma família "fantasmagórica" – ou seja, recriações de modelos antigos. O modelo Mademoiselle Pol, lançado na última feira de design de Milão, mistura a estrutura transparente com um assento mais largo e colorido.
A expansão starckcionista no Brasil subirá alguns patamares no fim do ano que vem, quando se prevê a abertura do hotel projetado pelo designer no Rio de Janeiro. Starck assina alguns dos hotéis mais famosos do mundo, desde o pioneiro Delano de Miami até o Faena de Buenos Aires, que tem um restaurante com cabeças de unicórnio na parede. Felizmente, esses arroubos mais alucinados serão evitados no projeto carioca, que será administrado pelo grupo hoteleiro Fasano, de São Paulo. "Com a entrada do Fasano, que tem um estilo muito diferente, Starck está fazendo mudanças em praticamente tudo", diz Ney Prado Junior, diretor da Gulfinvest, sócia do projeto. Notório pelo temperamento irascível e pelas respostas mal-humoradas (Exemplos recentes: "O que o senhor queria ser quando era criança?". Resposta: "Nada". Ou: "Algum conselho para os jovens?". Resposta: "Conselho?"), o designer tem se revelado uma seda no projeto do hotel do Rio. "Ele conosco é sensacional, muda o que a gente pede", conta Prado. "Fui com Rogério Fasano a uma reunião na casa dele em Londres que deveria durar uma hora e meia e ficamos mais de seis horas." Se nenhum dos envolvidos aparecer estrangulado, ou coisa pior, a beleza natural do Rio em breve abrirá um diálogo interessante com a beleza hipernatural das criações de Philippe Starck.
Gênio da desmaterialização
Com 56 anos, vinte casas (todas exatamente iguais) e quatro filhos (chamados Ara, Oa, K e Lago), Philippe Starck é o protótipo do gênio excêntrico. Sua entrevista à repórter Bel Moherdaui:
EXISTE UM CONSUMO EXCESSIVO DE DESIGN ATUALMENTE?
Com certeza. Design não é mais prioridade – acho que sua era acabou. Mas os ideais e as batalhas continuam. Uma das batalhas que eu travo há vinte anos e ainda não acabou é a defesa do design democrático. Não aceito que ele seja uma coisa de rico. Quero que produtos acessíveis sejam comprados por todos. Portanto, o aspecto do design que ainda permanece é o humano, o político. Não se trata mais de estética e tendência.
A DISSEMINAÇÃO DO CONCEITO DE DESIGN NÃO CRIOU JUSTAMENTE A SUPEREXPOSIÇÃO?
Sim e não. As pessoas já sabiam o significado de Jean-Paul Gaultier e Chanel para as roupas, mas não sabiam o significado disso aplicado a móveis. Agora estão aprendendo, e isso é muito bom. Por outro lado, se há excesso de exposição, a culpa é de vocês da mídia, que sempre falam demais sobre um mesmo assunto. Não façam mais entrevistas sobre isso, oras. Eu nem gosto de falar sobre design. Você é que está me fazendo falar.
ALGUMAS PESSOAS TEM UMA SENSAÇÃO DE DÉJÀ VU AO ENTRAR NO DELANO HOTEL, EM MIAMI, POR EXEMPLO, DE TANTO QUE SEU ESTILO FOI IMITADO. AS COPIAS SÃO UMA HOMENAGEM OU UMA FONTE DE IRRITAÇÃO?
Eu não ligo. Não me interesso por design, mas por pessoas, por vida. Claro que é triste quando fazem cópias, porque eu perco o meu tempo. Eu levo em média dez anos para fazer um produto. Depois são mais três para produzir. Para copiar eles demoram mais quatro anos e daí já se passaram dezessete anos desde que eu criei aquilo. A essa altura, até esqueci que fui eu que desenhei.
A CADEIRA LUÍS XVI SOBREVIVEU COM HONRA POR QUASE 300 ANOS. O QUE ACHA QUE VAI ACONTECER COM A SUA LOUIS GHOST DENTRO DE 100 ANOS?
Não existirá mais. O que há de interessante, tanto na La Marie quanto na Louis Ghost, é que são transparentes. Por isso, vão desaparecer. A nossa civilização caminha para a desmaterialização, para o desaparecimento. Não há nada mais desmaterializado do que essas cadeiras.
QUE OBJETO OU PRODUTO DO BRASIL O SENHOR COLOCARIA EM UMA DE SUAS VINTE CASAS?
Eu tenho belas peças de madeira rústica. Não sei quem fez, só sei que vieram do Brasil.
ALIÁS, QUEM TEM VINTE CASAS, TODAS IGUAIS, DEVE SER CONSIDERADO O QUÊ?
Um louco, que é o que eu sou. |